A primeira vez que ela passou, eu nem reparei, não achava a menor graça. Não demorou e logo vi que era diferente de mim, a começar pelas roupas. Achei estranho aquele colorido, os enfeites, o cabelo maior, era uma verdadeira boneca. Inconformado com tantas diferenças, assustei mais ainda quando vi que seu corpo era desigual do meu, não tinha o que eu tenho, pensei que fosse um defeito, mas fiquei sabendo que aquilo era daquele jeito mesmo. Por um tempo tomei foi raiva, odiava a sua presença, tanto que vivia implicado. Não gostava de me enturmar e nem sequer conversar. Era o meu grupo contra o grupo dela. Ânimos acalmados e mesmo assim não me deixaram em paz. Começaram com umas brincadeiras idiotas. Diziam que eu estava namorando com fulana, beltrana e sicrana. Eu não via fundamento nisto e ficava irritado, grilava e apelava feio. Mais tarde umas sensações estranhas começaram a surgir, não acreditava que sentia atração por aquele ser tão esquisito. Comecei a observar pequenos detalhes, tipo cabelo, boca, sorriso. Coisas ingênuas, nada de mais, apenas minúcias, um simples perfume, um olharzinho, um “oi”. Aquilo era de derreter, de tomar todo o pensamento, um fogo na carne. O coração batia acelerado, faltava ar. Foi nesta época que fiquei bobo, virei poeta. Não demorou muito e aconteceram as primeiras declarações, precedidas de muitas páginas de inflamadas descrições de amor. Flores, céus, nirvanas eram os cenários preferidos. Em seguida, inevitavelmente, aconteceu o primeiro beijo. De doce de mel não tinha nada, mas era uma delícia, parecia que nossas bocas tinham nascido para viverem coladas e agora haviam se encontrado. A primeira paixão parecia que ia durar para sempre. Aquilo mais doía que era satisfação, pois os primeiros namoros são puro sofrimento, animal indomado. Logo veio outra e a confusão só aumentou. Mais outra e tudo se repetia. Coisas mais íntimas e profundas foram acontecendo. Quantas diferenças. Parece que aquela primeira impressão, a primeira constatação nunca muda, nunca evolui: mulher é tão diferente da gente. A cada dia descubro uma novidade. É difícil entender. Por que sentem tanto, por que observam tanto, por que falam tanto, por que cobram tanto. Mais difícil ainda é viver sem, impossível. Mulher, ser estranho, diferente, carente, atraente. E o choro? Lágrimas eternas. Talvez a mulher seja a medida que nos faz pensar melhor. Até apelamos, mas nossas ações sempre se voltam a elas. Pena que não sabem disto. Mulher, ser delicioso, infinito, desconfiado. Mulher, melhor amar que perder tempo querendo decifrar.
Nelclier Marques é psicólogo, acadêmico de Direito na PUC Goiás e escritor
twitter.com/nelclier
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