22 de fev. de 2010

ARTIGO PUBLICADO: O tal que não pegava dengue



Ivonildo é um cara gozador, daqueles que adoram curtir com a vida alheia. Para ele, prostituta e maconheiro só existem na família dos outros, no máximo na casa do vizinho. Não acreditava em doença, vivia nas farras. Ria de tudo e de todos. Dia desses, ria de um senhor que lamentava as dores da dengue: “Velho imbecil, larga de ser frouxo, pamonha”, dizia às gargalhadas. Imaturo, Ivonildo não observou que seu quintal era cheio de plantas e restos de objetos que acumulam água. Até zombava demonstrando sua habilidade na raquete elétrica: “Eu sou o Guga, exterminador de mosquito. Dengue comigo é na cadeira elétrica.” Divertia-se a valer com a raquetona. Pipocava mosquito o tempo inteiro e nem se tocava, não observava a origem, o criadouro de tais pestes. Porém, qual não foi sua sorte quando amanheceu com certa fraqueza. Pensou que era da pinga que tinha tomado no dia anterior. Aquilo foi piorando, a dor no corpo aumentando, a cabeça doendo, um mal estar dos diabos se instalando. Macho e ignorante, Ivonildo foi suportando enquanto podia. Sabia que os amigos iam rir da sua situação. Mas, o corpo humano não é uma máquina e não teve jeito, dois dias depois acabou tendo que se curvar e pedir arrego. Aliás, teve que correr, pois já não agüentava sofrer. Mandou a mulher ficar calada enquanto o acompanhasse ao centro de atendimento médico mais próximo. Amargou nas filas até ser atendido. Chorou feito criança, desarmado de sua arrogante macheza. Quando, enfim, teve a honra de estar frente a frente com um doutor, relatou sua moléstia. Seu ouvidos doeram quando ouviu o diagnóstico, uma verdadeira sentença: “Vou pedir um exame de sangue para ver as suas plaquetas, mas pode ir se hidratando que provavelmente é dengue.” Dengue? Isto mesmo: dengue. Ivonildo, o diferentão, agora se igualava aos demais mortais. Antes ele ria e desprezava toda advertência. Para ele o dinheiro público gasto com publicidade para divulgar a doença não tinha a menor importância. Debochava de quem cuidava para evitar a dengue. Agora a sua realidade era outra. Não tinha ânimo para nada. Acabou na cama de um hospital. A única coisa que sentia era: dor muscular; dor no abdômen; dor na cabeça; um mal estar que não cessava; irritação; coceira no corpo todo. Tinha que tomar bastante soro para não desidratar, aquela agulha era a morte, além de água de côco e sucos, até repunar. A água normal, após tomar tantos remédios, credo, amargava como fel. E mais: todos os dias tomava uma dolorida espetada no braço para colher sangue a fim de examinar as benditas plaquetas, que só caiam. Sem contar o estômago embrulhando com qualquer cheiro de comida. Comer carne então, podia esquecer, não conseguia nem chegar perto. Dengue é doença, é castigo, é praga. O corpo parecia morrer aos poucos, estava ficando cada vez mais mole. Os amigos de farra até que tentavam animá-lo, mas ele estava muito irritado e cansado com aquela coisa. Piadinhas surgiam a todo instante, mas ele não achava a menor graça. Quis acusar a infeliz da esposa pelo lixo que mantinham no quintal. Contudo, independente da culpa, foi ele, Ivonildo, o irresponsável, o sem consciência social e moral, quem pagou o pato. Apesar de tudo, da raiva, da vergonha, nas suas mais veladas orações, ainda agradecia a Deus por sua dengue não ser hemorrágica, pois o machão ficou com medo de morrer. Ivonildo, seu esperto de araque, cumpra a sua sina e, quando sair do hospital, lembre-se que você não é dono do mundo. Vá dar uma geral nas suas imundices, seu coitado! Por hora, curta a sua denguice, senhor da razão!

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