1 de dez. de 2009

ARTIGO PUBLICADO - Trânsito: Gerson se deu mal


Trânsito: Gerson se deu mal

Sinal fechado e, mesmo assim, o carro dobra a esquina em alta velocidade e numa cantada de pneu desvia da mãe. Porém, tal guinada não foi suficiente para evitar o estrago que fez ao passar por cima do filho, que, inocentemente, sinalizava à mãe que o sinal verde para pedestre havia se iluminado, lição que acabara de ser instruído. Horrorizada, a mãe deu um grito que ecoou por toda a cidade. Atônito, o anti-herói Gerson, no uso cotidiano de sua lei, tentou empreender fuga, mas se viu cercado por uma multidão, que, sem dúvida, pretendia linchá-lo ali mesmo, para vingar a tragédia. Neste momento, raios de lembranças percorreram a mente de Gerson, um filme de toda a sua vida de corridas pelas ruas de Goiânia passou pela sua cabeça numa fração de segundo. Natural de quem vê a morte chegar, aqueles raios deixaram Gerson paralisado até a alma, viu que de nada adiantava furar sinal se a próxima esquina estava trancada, pois foi fácil de ser alcançado, preso atrás de outros carros. Só então percebeu que existe, mesmo de forma precária, um espaço de tempo que determina a luz de cada sinaleira. Fura aqui e tem que frear logo ali. Agora sim, entendeu que não morava sozinho na metrópole e que outros também eram parte daquele todo, inclusive aquela criança que matara ali. Ofegante e na iminência de ser espancado, o anti-social, desarmado de sua arma diária de guerra, apeado de seu carro, jogado ao chão feito um bicho, Gerson enxergou a sua insignificância, viu-se o fraco, a ameba que era. Quem sempre se pautou por levar vantagem em tudo, entendeu que a sociedade era desorganizada por sua culpa, que ele sim, ele mesmo Gerson, era um dos imbecis que contribuem para a bagunça que é o trânsito. Pensou em clamar a Deus por sua vida, tamanho era o arrependimento, mas não se achou merecedor, pois havia acabado atropelar e matar. Matara um ser humano, uma criança. Que situação se formara! Sua imprudência acabou fazendo vítima um infante. Não teve salvação, o menino estava ali, estirado, naquele pavimento escaldante. Um rio de sangue escorria daquele pequeno corpo inerte. De piloto profissional, imaginário e egoísta, Gerson se viu um assassino, um matador, um açougueiro de gente. Pensou no inferno. Assassino indefeso se tornara, afinal sempre agiu daquela forma e nunca se preocupou em evitar. Era culpado. Não sabia que era um desajustado social, achava-se o senhor da razão, o posso-tudo-que-ninguém-me-pega, mas, naquela sangueira toda tinha uma certeza, sabia que se escapasse da morte iminente, não escaparia dos tribunais, nem da cara virada de familiares e amigos envergonhados, já que havia acabado de matar um ser humano. “Meu Deus”, pensou. Lembrou-se que também tinha filho pequeno. Gerson matou e morreu junto, pois sua vida acabara ali, assim como quaisquer sonhos e desejos daquele menino. Um choro dolorido e incessante irradiava daquela mãe, sua agonia contagiava a todos. Caras carrancudas lhe observavam, punhos fechados se aproximavam. Só assim Gerson, o anti-herói, o anti-social, o anti-paz, o anti-humano, o oportunista-idiota, viu o quão insignificante era e quanta desorganização causara. Morto naquela morte, Gerson, sem entender direito, desejou ser linchado para se expiar da culpa. Nem lágrimas lhe acudiam. Agora era tarde, não podia mudar o passado... Quantas vezes somos Gerson e nem somamos com isto?!


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